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Velhinha do ano? Eu não! Rainha Elizabeth II dá aula sobre idade subjetiva

Publicado dia 11.11.2021 pelo Futuro das Coisas


A Rainha Elizabeth II nos surpreendeu mais uma vez. Em 19 de outubro de 2021, a mídia noticiou que a monarca recusou o prêmio Velhinha do Ano (Oldie of the Year) concedido pela revista britânica Oldie. Em seus 95 anos de idade, ela não acredita que se enquadra nos requisitos da premiação, afinal: “Você é tão velha quanto se sente”.

E você, se pudesse ignorar sua certidão de nascimento, quantos anos diria que tem com base em como se sente? Um dos primeiros estudos sobre o tema, publicado no final da década de 1980, já indicava que adolescentes tendem a se sentir mais velhos, que pessoas no início da idade adulta se sentem com a mesma idade cronológica e que adultos maduros ou idosos se sentem mais jovens do que realmente são. Chamamos de idade subjetiva ou psicológica essa que sentimos que temos.

Já a idade cronológica é a que consta no nosso documento de identidade e não podemos mudá-la, apesar de já terem tentado. No final de 2018, o holandês Emile Ratelband, com 69 anos à época, entrou na Justiça para ficar 20 anos mais novo. Segundo ele, “nós vivemos em uma época em que é possível mudar de gênero e de nome. Por que não posso mudar minha idade?” Ele alegou que não pretendia se aposentar e que as mulheres do aplicativo Tinder não o respondiam; logo, alterar sua idade para aquela que ele sentia que tinha reduziria os efeitos da discriminação etária.

Um mês depois, a justiça holandesa negou o pedido de Emile Ratelbrand, argumentando que mudar a idade no documento oficial iria interferir no acesso a obrigações e direitos, como votar, ter carteira de motorista, receber benefícios sociais, entre outros, e que ele “poderá usar outras ferramentas legais para lutar contra a discriminação por idade”.

A divisão da sociedade em idades cronológicas representa uma forma de estruturar e garantir a quem se destinam direitos e deveres, apesar de se apresentar injusta de fato, muitas vezes, especialmente em países como o Brasil, um dos mais desiguais do mundo. Por isso, especialistas como Alexandre da Silva afirmam: longevidade tem endereço. Basta olharmos para a expectativa do brasileiro ao nascer que chegou à marca média de 76,6 anos, mas que beira os 80 anos em Santa Catarina e, apenas há pouco tempo, passou dos 70 no Maranhão. Observa-se também uma diferença expressiva e triste entre bairros do mesmo município. Na cidade de São Paulo, a expectativa de vida ao nascer na Zona Oeste é de 85 anos; na Zona Leste, 71.

Esse aumento na expectativa dos brasileiros levou o deputado federal João Campos (Republicanos-GO) a propor o Projeto de Lei 5383/19 que altera de 60 para 65 anos a idade que uma pessoa seria considerada idosa no Brasil: “Não existe mais justificativa para dizer que uma pessoa com 60 anos é idosa. A cada dia que se passa vemos mais pessoas atingindo essa idade com qualidade de vida, em plena atividade laboral, intelectual e até mesmo física”. Porém, recentemente o parlamentar solicitou a suspensão da tramitação do processo porque, segundo ele, “venho recebendo críticas (…) e entendo que este não é o momento mais oportuno.”

Todas as vezes que pergunto a idade cronológica e subjetiva do público 50+ nas palestras e cursos, o resultado vai ao encontro de tais investigações: a maioria afirma que se sente mais jovem. Um estudo longitudinal de 2014, conduzido por pesquisadores da Universidade de Montpellier com cerca de 17 mil pessoas, revelou que, em média, as pessoas se sentem oito anos mais jovens que suas idades reais. Já uma meta-análise envolvendo 294 estudos, publicada em 2021, constatou que os adultos 60+ se sentiam, em média, 10,74 a 21,07 anos mais jovens, sendo que a diferença foi maior na América do Norte, Europa e Oceania e menor em pessoas que viviam no continente africano, como esperado.

Mas o que faz com que as pessoas se percebam mais jovens e com menos idade, como a Rainha da Inglaterra? Estudos recentes indicam que há dois motivos. O primeiro deles refere-se à comparação social que fazemos: tendemos a perceber que estamos em melhores condições de saúde, disposição, vitalidade que outras pessoas com a mesma idade cronológica. De um lado, sentir-se mais jovem pode refletir uma negação do envelhecimento, já que alguns estudos apontaram que quem se sente mais jovem pode possuir estereótipos negativos mais prevalentes sobre o envelhecer. Ao mesmo tempo, essa percepção pode servir como mecanismo de enfrentamento adaptativo, de modo que essas pessoas buscam aderir a comportamentos mais saudáveis.

Evidências científicas indicaram, entretanto, que a idade subjetiva não é resultado somente de uma autopercepção do estado de saúde como um todo, mas também do próprio envelhecimento neurobiológico. Elisa de Paula França Resende, doutora em neurociência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que pessoas que reportam se sentir mais jovens também são aquelas que se saem melhor em testes de memória e demonstraram menor suscetibilidade a sintomas depressivos. Interessante, não? É como se tivéssemos certa consciência da saúde da nossa própria massa cinzenta.

A idade subjetiva vem sendo cada vez mais estudada nos últimos anos porque os resultados têm trazido importantes indicações para a longevidade das pessoas e para a promoção da inclusão etária nas empresas. As pesquisas têm observado, por exemplo, que aqueles que se sentem mais jovens vivem mais. Estudos conduzidos pelo professor de psicologia da Universidade de Virgínia Brian Nosek concluíram que indivíduos que possuem idades subjetivas mais baixas tendem a apresentar maiores níveis de bem-estar, satisfação com a vida e menores riscos de depressão, demência e morte.

Relevante salientar que o ciclo pode se tornar vicioso ou virtuoso. Em outras palavras, quem se alimenta bem, pratica atividades físicas, cuida da saúde mental, da qualidade das relações e de outros pilares da longevidade ativa, costumam se sentir mais jovem e não quer mais abandonar este estilo de vida. Já aqueles que têm recaídas para aderir a uma alimentação saudável, sentem-se fisicamente cansados regularmente e/ou enfrentam momentos longos de solidão, se percebendo mais velhos e desmotivados a incorporar esses hábitos. Ingressar neste ciclo virtuoso exige perseverança e também autoconhecimento e respeito aos seus limites, valores e crenças para que, como bem alerta a pesquisadora e futuróloga Lidia Zuin, as pessoas não se tornem obcecadas em rejuvenescer a qualquer custo.

E qual o impacto dessa diferença para as empresas? Um estudo multinível recente, que acessou 96 empresas alemãs e mais de 16 mil funcionários, revelou que a diversidade de idade subjetiva é mais relevante para a compreensão de diferenças em termos de desempenho e engajamento, que a idade cronológica. Por isso, as organizações, não só podem como devem implementar ações de combate ao etarismo, conduzir pesquisas para acessar a idade subjetiva e implementar sistemas de gerenciamento de saúde e estresse para conscientizar as pessoas sobre como se sentem.

Os líderes corporativos e os gestores de pessoas já sabem que a transformação demográfica que estamos vivendo levará ao adiamento da aposentadoria, e ao aumento da amplitude etária no ambiente laboral: frequentemente, pessoas com 14 e 74 anos já fazem parte de uma mesma equipe. Por isso, quebrar os estereótipos negativos sobre as gerações e discutir diferenças de comunicação, motivação e processos de trabalho das pessoas se torna crucial.

Para compreendermos melhor a complexidade da idade subjetiva, é importante também conhecer e distinguir as idades biológica, social e prospectiva – assunto para um próximo artigo. Perceba que está cada dia mais difícil responder à pergunta: Quanto anos você tem? Sendo o envelhecimento um fenômeno complexo e heterogêneo, conseguimos compreender que fatores biológicos, físicos, psicológicos e sociais da Rainha da Inglaterra a permitem se sentir muito distante do imaginário que ainda carregamos de uma velhinha.

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